No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio Sara conversa com o arquiteto Samuel Gonçalves, do atelier SUMMARY, sobre o projeto de quatro creches em Lisboa, pré-fabricação e os desafios que as cidades enfrentam na atualidade.
Sara Nunes - Creio que hoje vai ser uma conversa muito interessante não só porque vamos falar sobre um dos mais recentes projectos da Summary... E, simultaneamente, é um projecto que vem resolver um problema que eu acredito que seja comum a muitos dos nossos ouvintes, que tenham sido, recentemente, pais ou que serão pais, em breve, que é a falta de creches acessíveis e de qualidade. E creio que esta conversa também vai ser interessante para desmistificar uma série de mitos em relação à arquitectura pré-fabricada, até porque tu tens um discurso muito descomplicado sobre o assunto e sempre me impressionou o início do teu percurso Samuel porque, mesmo ainda muito jovem, não estavas apenas interessado em desenhar espaço e desenhar edifícios, como, simultaneamente, tinhas muito clara a forma como querias construir esses mesmos edifícios através da pré-fabricação. Já nos conhecemos há alguns anos, mas acho que nunca te perguntei qual foi o momento em que tu sentiste que querias abraçar a pré-fabricação.
Samuel Gonçalves - Eu acho que, em relação, à pré-fabricação e a esta opção de que eu e o meu estúdio assumimos de nos dedicarmos, quase em exclusivo, a esta forma de projectar e de construir vem de vários aspectos. Um deles é, naturalmente, a oportunidade. Há acasos na vida que nos conduzem em determinada direcção. Isto tem a ver com as pessoas com quem nós nos cruzámos, com os parceiros que vamos encontrando. Portanto, o acaso também não é alheio a estas escolhas, mas desde o início... eventualmente também houve algumas experiências profissionais que eu tive antes de abrir o estúdio. Esta vontade de construir de forma tendencialmente mais simples e mais rápida... e que esse processo de simplificação existisse desde o processo de concepção até à construção acabou também por nos conduzir em direcção à pré-fabricação.
SN - Ou seja, não era um sistema, em si, que te fascinava, mas era como se fosse uma solução para esta tua vontade de construir mais rápido.
SG - Claro. Esta vontade não parte de um sistema. Parte de um conjunto de vantagens que eu acho que era importante implementar e como consequência chegámos aos sistemas construtivos pré-fabricados. Ou seja, para mim, a pré-fabricação sempre foi um meio e nunca um fim em si mesmo. De qualquer forma, o modo de pensar e o modo de projectar quando trabalhamos com pré-fabricação são completamente diferentes daqueles que temos quando trabalhamos com a construção dita corrente ou tradicional, não é? E há aqui uma... eu costumo dizer que há uma inversão do processo criativo. Nós, normalmente, na arquitectura corrente o que fazemos é pensar no resultado final, pensar no edifício que queremos desenhar, que queremos projectar e depois vamos ver como é que ele se constrói. E quando trabalhamos com pré-fabricação isso não funciona exactamente assim. Temos primeiro de pôr em cima da mesa um conjunto de limitações que tem a ver com as dimensões de peças, dimensões logísticas, limitações do próprio local da construção. O espaço que vamos ter ou não para fazer as montagens, as cargas, etc. e só depois vamos poder pensar então no resultado final que queremos construir. E também esta inversão do processo criativo foi algo que se foi tornando, cada vez mais, desafiante e fez com que o nosso interesse por este tipo de arquitectura acabasse por solidificar.
SN - Muito bem. Eu acho curioso também que um dos teus primeiros trabalhos... pelo menos aquele primeiro trabalho que eu conheço é uma casa unifamiliar, mas tu rapidamente percebeste que este sistema de pré-fabricação poderia, realmente, fazer a diferença quando fosse para uma escala maior, por exemplo, no caso de uma habitação colectiva. E gostava que tu falasses... Já foste falando um bocadinho desta vantagem, deste sistema em relação até à rapidez, mas queria que falasses um bocadinho de como é que tu percebeste que as vantagens da pré-fabricação só faziam sentido, realmente, em edifícios de maior escala... aí é que eles poderiam fazer a diferença.
SG - Sim, as vantagens da pré-fabricação, pelo menos, tendo em conta os sistemas construtivos que nós, neste momento, estamos a trabalhar e a desenvolver prendem-se, sobretudo, com a rapidez de construção mais do que, por exemplo, com o custo ou com a facilidade de conseguir os licenciamentos para os edifícios nas câmaras municipais. E, neste caso, não é nada disso. Eu diria que nós construímos com preço... ou as nossas soluções têm um preço equivalente à da construção corrente para a mesma gama se quisermos. A dificuldade do processo burocrático de licenciamento é igual e, portanto, a única vantagem...
SN - Isso é um mito até bastante grande, não é?
SG - Sim, sim.
SN - As pessoas acham que é mais fácil o licenciamento, não é?
SG - Sim. Bem... Eu também acho que é um mito um bocadinho construído porque as pessoas têm estas ideias porque elas lhes são de alguma forma incutidas por... não sei... empresas que querem vender este tipo de soluções a qualquer custo sem pensar depois também nas consequências que o cliente final poderá ter de enfrentar.
Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a terceira temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- João Maria Trindade
- António Cerejeira Fontes
- Studio MK27
- AND-RÉ
- Adriana Floret
- Pedra Líquida
- spaceworkers
- atelier extrastudio
- Sofia Couto e Sérgio Antunes
- Gonçalo Byrne
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.